Dinâmica de sistemas sedimentares do litoral ocidental português a sul do Cabo Espichel

Na faixa costeira ocidental portuguesa, que se estende desde a Península de Tróia ao Cabo de S.Vicente, podem considerar-se duas unidades fisiográficas distintas: o Arco Litoral Tróia-Sines (ALTS) e o Litoral Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (LSA-CV). O primeiro corresponde a uma costa arenosa cuja geometria define um arco litoral de cerca de 65 km de comprimento, limitado a Norte pela embocadura do Rio Sado e a Sul pelo Cabo de Sines. Do lado de terra, a extensa praia contínua é. limitada por cordões lunares interrompidos por arribas formadas por sedimentos argilo-arenosos. O LSA-CV, a Sul do Cabo de Sines, corresponde a um litoral rochoso de traçado irregular ao longo do qual se enquadram praias na sua maioria enastradas, confinadas à foz das linhas de água ou a reentrâncias protegidas da agitação marítima predominante. No presente trabalho procedeu-se ao estudo da dinâmica sedimentar do ALTS, a micro e mesoescala temporal, considerando-se que este sistema litoral se encontra em equilíbrio dinâmico face aos agentes oceanográficos e às fontes sedimentares existentes. A continuidade textural dos sedimentos residentes na praia emersa ao longo deste arco é evidenciada pela análise sinóptica longilitoral e pelo seu estudo sazonal. Esta característica é também sugerida pela elevada compatibilidade textural encontrada entre fontes sedimentares activas (duna e arriba) e os sedimentos da praia. No que se refere à morfodinâmica da praia emersa (Tróia, Comporta, Aberta Nova, Santo André e Ribeira de Moinhos), predominam as características intermédias a reflectivas, que se acentuam para Sul, acompanhadas pelo aumento da intensidade das trocas sedimentares transversais que podem atingir magnitudes da ordem dos 5.9x103 a 1.8x105 m3/km costa, em períodos de temporal. A estimativa da magnitude da deriva litoral teve por base um método de fluxo de energia procedendo-se à transposição do clima de agitação marítima até à linha de costa recorrendo a modelos numéricos (RCPWAVE e RSSAC). O modelo RSSAC permitiu estimar valores referentes ao transporte longilitoral da ordem dos 105m3 /ano, com resultante líquida de mesoescala dirigida para Norte e identificar um conjunto de características particulares, de entre as quais se destacam: a forte sensibilidade do ALTS face ao rumo de incidência da agitação junto à linha de costa, em particular durante eventos extremos, associados a rumos de SW; a importância das ondas com altura superior a 5 m (que representam 1% das ocorrências) na intensidade do transporte sólido residual (para o qual contribuem com 22% do caudal anual); o predomínio do efeito de protecção do Cabo Espichei sobre as condições de agitação na rebentação e sobre a componente longitudinal do fluxo de energia em diferentes pontos da costa, em detrimento dos efeitos de empolamento e refracção, dependentes da morfologia dos fundos adjacentes; o coeficiente empírico de regressão linear entre a taxa de transporte sólido e o fluxo de energia, K, validado no caso presente a partir do estudo de evolução secular da linha de costa, é de 0.28 e aparenta independência das características texturais. O modelo de dinâmica sedimentar proposto para o ALTS assenta sobre o conhecimento da capacidade potencial de transporte associada às ondas, da morfodinâmica e do conteúdo e variabilidade textural deste sistema; considerando as reduzidas taxas que caracterizam as tendências seculares de evolução da linha de costa e a elevada magnitude das trocas sedimentares sazonais sugere-se que, associado a um fornecimento sedimentar exterior, de pequena magnitude, existirá também um mecanismo de redistribuição sedimentar longilitoral muito eficiente que assegura a permanência temporal do dispositivo morfológico regional, tamponado pelas acumulações sedimentares do Cambalhão, a norte e adjacentes à Praia do Norte-Ribeira de Moinhos, a sul; assim, os sedimentos da praia emersa e da plataforma interna (para terra da profundidade de fecho) serão remobilizados ao longo de todo o arco durante os eventos mais energéticos (temporais), segundo um mecanismo de reajuste da configuração da linha de costa numa escala temporal muito curta. Este modelo implica um equilíbrio estreito e permanente entre transporte longilitoral, transporte transversal, condições da agitação incidente num determinado momento e resposta direccional e morfológica de cada ponto, segmento ou célula do litoral, que os elementos do estudo da morfodinâmica transversal de praias confirmam, particularmente a sul. Os padrões de transporte sólido residual deduzidos a partir da análise textural dos sedimentos da praia emersa e da plataforma interna adjacente, recorrendo a métodos estatísticos uni e bidireccionais, confirmam parcialmente o predomínio do transporte sedimentar de Sul para Norte, tendo os primeiros métodos produzido melhores resultados que os segundos. Contudo, concluiu-se também que a aplicabilidade destes métodos implica uma análise detalhada das diferentes populações de partículas (relíquia e neotéricas) presentes nas amostras e um cuidado muito particular na definição da rede de amostragem de sedimentos. O LSA-CV apresenta características geomorfológicas totalmente distintas das do ALTS, por se tratar de um litoral essencialmente rochoso fortemente condicionado pelas condições fisiográficas locais. Estas condições, particulares, fazem com que cada uma das praias estudadas (S.Torpes, Fumas, Odeceixe, Amoreira, Monte Clérigo e Arrifana) funcione como uma célula isolada, com padrões morfodinâmicos distintos, revelando alguma semelhança entre si apenas durante os períodos de temporal. Os períodos de recuperação aos temporais variam de praia para praia, estando o padrão de recuperação relacionado com o tempo de resposta de cada perfil às condições de agitação incidente e à capacidade de retenção de sedimento no sistema lomba-canal marginal à praia emersa. A relação morfotextural, dada pela relação tanp/diâmetro médio da e na face da praia caracteriza estas praias como de baixa energia, em contraste claro como seu carácter exposto a alta energia dispombilizada pela agitação marítima; tal pode ser explicado pela influência particular das condições de abrigo a que a maioria das praias estão sujeitas pelo seu confinamento a reentrâncias num litoral rochoso. Da análise textural dos sedimentos da praia emersa concluiu-se ainda que o diâmetro médio apresenta um espectro granulométrico estreito distribuído pelas classes granulométricas da areia média a fina, que persiste ao longo do tempo, sugerindo a ausência ou reduzida intensidade de fontes sedimentares externas à praia. A análise das variações morfológicas nos estuários do Rio Mira da ribeira de Aljezur, dos últimos 40 anos, tendo por base levantamentos de fotografia aérea, permitiu concluir que: (1) as principais unidades morto-sedimentares da secção vestibular do estuário do Rio Mira exibem oscilações temporais nas taxas de acumulação/erosão, em particular nas barras arenosas no interior do leito do rio; pelo contrário, na superfície ocupada pelo sapal a tendência é para uma clara expansão; (2) as principais unidades morto-sedimentares do vale da ribeira de Aljezur apontam para a forte ocupação antrópica deste vale associada ao cultivo de arroz, que em parte condicionou os processos naturais, até aos dias de hoje, no interior e nas suas margens; neste sistema salienta-se a fixação de um extenso campo durar adjacente à praia da Amoreira que é também progradante sobre a área de sapal. A caracterização dos sedimentos superficiais do leito e margens da ribeira de Aljezur permitiram identificara progressão das areias marinhas para montante até próximo da piscicultura, a montante das quais é possível identificar uma área de decantação de materiais mais finos, alimentada pelo material em suspensão de origem fluvial. A montante do Monte do Figueiredo toma-se progressivamente mais significativo o contributo sedimentar de origem fluvial/continental associado ao aumento da fracção de cascalho. O estudo da propagação da onda de maré no interior do estuário permitiu verificar o predomínio da enchente sobre a vazante, promovendo a colmatação da área terminal do estuário por sedimentos marinhos. No que diz respeito à análise preliminar do preenchimento sedimentar holocénico do vale da ribeira de Aljezur, os dados geofisicos obtidos apontam para a definição de diferentes formações e para uma variação heterogénea e acentuada da profundidade do soco pré-Holocénico, quer transversalmente quer longitudinalmente ao alongamento do vale. A análise sedimentológica (textura, teor em carbonato de cálcio, teor em matéria orgânica e pH) de um testemunho de sondagem com 24 m de profundidade (ALJ) obtido do preenchimento deste vale sugere a existência de alternância de fácies fluviais e estuarino-marinhas, similares aos observados nos registos estratigráficos holocénicos estudados por outros autores no ALTS (lagoas de Melides e de Santo André) mas que, no caso presente, excluem a fácies lagunar antiga. Contudo a validação desta interpretação no contexto do registo Holocénico regional, será necessariamente objecto de revisão futura e de articulação com indicadores de outra natureza, nomeadamente paleoecológica. /Abstract - The western Portuguesa coast that extends from the Tróia península to the Cape S.Vicente, includes two major physiographic units: (1) the Tróia-Sines littoral ribbon (ALTS) corresponds to an arcuate 65 km-long coast, extending between the Sado estuary and the cape of Sines, with a continuous sandy beach facing the Atlantic and limited by dunes and cliffs made of weak silty clayey sands (2) the Southwest Alentejo and Vicentina Coast (LSA-CV), that extends southward from the Sines Cape and corresponds to an irregular rocky littoral (mainly composed by shales and greywackes) with pocket-beaches located at the mouth of rivers or at small bays protected from dominant waves. In this work it is presented a micro to mesoscale scale morphodymanic study of five beaches of the ALTS (Tróia, Comporta, Aberta Nova, Santo André e Ribeira de Moinhos) considering that this littoral is in dynamics equilibrium with existing main oceanographic factors and sedimentary sources. The textural study of synoptic, longshore sediment samples and of the seasonal variation in sediments of the foreshore indicate textural continuity along this littoral ribbon, which is in agreement with high textural compatibility found between sedimentary sources (cliffs and dunes) and beach sediments. The study of beach morphodynamics indicates that the modal stages are intermediate to reflective, the latter increasing in expression southward, along with the intensity of cross-shore volumetric changes, that reach magnitudes of 5.9x103 a 1.8x105 m3/km of coast during storms. To estimate the longshore sediment transport rate an energy flux method has been used, coupled with the wave climate conditions at breaking, by means of computing wave parameters departing from offshore deepwater using numerical models (RCPWAVE and RSSAC). The RSSAC modal yielded a longshore transport residual rate of some 105 m3/ year to the North, and both numerical simulations highlighted a number of particularities in the ALTS, namely: the strong sensibility to the wave-breaker angle particularly to extreme events from SW; the relative importance of waves higher than 5 m (with a yearly frequency of only 1%) to the littoral drift, to which they contribute with 22% of the annual residual; the shelter provided by Cape Espichel regarding the predominant waves exceeds in importance the influence of refraction and shoaling determined by the nearshore morphology in controlling the longshore distribution of wave power; the empirical coefficient extracted from an exercise of linear regression between sediment transport rate in several locations of this coast (validated by independent quantification of century evolution of the shore) and longshore wave power yielded K=0.28, a figure that stands stable throughout the study area regardless of changes in grain size. The residual transport trends of sediment in the nearshore and shelf, inferred using uni- and bidireccional statistical methods on textural parameters, only partly agree with the net northward mesoscale direction of sand transport along the study area, and the former gave better results than the latter; these results also highlighted the crucial relevance of the sampling scheme in the reliability of transport trends inferred with this methodology and also the absolute need to consider relict and neotheric sediment fractions separately. The sediment dynamic modal and budget developed for the ALTS is based upon computation of the potential wave-driven longshore transport and investigation of the morphological and textural contents and their (time and space) variability along the coast; compatibility between the observed low rate of secular variations of the coast with extremely high rates of mobilization of sediment in short time intervals suggests that external sediment sources are limited in intensity and just required at an intermediate timescale to balance an efficient wave-driven dispersion mechanism within this coastal ribbon, buffered at both extremes by the shoals of Cambalhão and the submarine beach of Praia do Norte-Ribeira de Moinhos. This implies at a seasonal scale the existence of a delicate and self-maintained dynamic equilibrium condition between shape, trend and rapid volumetric adjustment of each coastal element in response to changes in littoral drift and cross shore sediment exchanges forced by waves, which apparently exists, judging from field data on seasonal variation of beach profiles. The LSA-CV ribbon differs in geomorphology and behaviour from the ALTS in its rocky nature, controlled by local tectonic, geological and physiographic conditions that allow the existence of only few and small-sized pocket beaches, generally in association with riverine outlets or favourable indentations of the otherwise linear cliffed coast. Each pocket beach (S.Torpes, Furnas, Odeceixe, Amoreira, Monte Clérigo e Arrifana) behaves as an independent element of the coastal system in what regards morphodynamics and sediment content and only display morphological similarities during storm events. The periods and processes of post-storm volumetric recovery also varies from beach to beach and are mainly controlled by the response time of each beach profile to wave climate added by the capacity to retain sediments at the ridge and runnel system. According to the well established relations between tanβ/grain size at the beach face all these beaches fall in the low-energy category, which is in conflict with the high energy wave climate and general exposure of this littoral. This fact may be explained by the peculiar arcuate plan shape of each beach that preferably accumulates within the shadow zone of some conspicuous rock headland offering shelter regarding the direction of prevailing wave approach. The results of the study of foreshore sediment indicate a restricted granulometric range (well sorted fine to medium sand) suggesting limited input from external sediments sources and a long residence time. The study of morphological changes in the estuaries of Mira and Aljezur throughout the last 40 years shows that: (1) the main morpho-sedimentary units in the Mira's estuary have been experiencing temporal oscillations in the accretion/erosion rates, in particular on sandy bars; in contrast, the salt marshes show clear surface expansion; (2) the main morpho-sedimentary units in. the Aljezur estuary were strongly affected by agriculture activities (rice crop) that controlled in part, natural processes; the development and stabilization of a large coastal dune field contiguous to the Amoreira beach which is invading the peripheral salt marsh was also registered. The characterization of surface sediments of both channel and banks of the Aljezur mainstream allowed to locate the landward limit of deposition of marine-borne coarse-sands just nearby the fish farming facility, where sedimentation changes to a predominance of fluvial fine-sands; further upstream, landward of Monte Figueiredo gravely fluvial sediment takes over the system. The monitoring of the tidal-wave progression in the Aljezur channel indicates that this estuary and part of the upstream channel in flood-dominated, explaining the persistent filling of the stream-mouth by marine sediment. The geophysical data collected along the Aljezur valley show the existence of distinct layers within the Holocene infill and also of a marked heterogeneity in both the transversal and longitudinal variation in the depth of the pre-Holocene basement. The sedimentological. analysis (texture, carbonate and organic matter contents and pH) of a 24 m long core (ALJ) representative of the sediment infill of this valley allowed the identification of alternating fluvial and estuarine-marine facies. These results are similar and coherent with Holocene facies and architecture found in coastal lagoons of the ALTS (Melides and Santo André) and studied by other authors, despite the inexistence, in the present case, of a mid-Holocene lagoonal facies