Da aprendizagem dos alunos à construção do conhecimento do professor de biologia: um estudo no âmbito da genética

A educação científica continua, hoje mais do que nunca, a merecer atenção especial, imersos que estamos na chamada era do conhecimento, grande parte do qual é de origem científica e tecnológica. A ciência escolar pode, nesse sentido, desempenhar um papel fundamental na promoção da literacia científica de todos os cidadãos, o que implica dar a conhecera ciência, nas suas diversas dimensões – como produto, como processo e como empreendimento social –, a um vasto e heterogéneo público. Compreender alguns dos factores que podem influenciar o sucesso no alcance desses objectivos foi o principal móbil desta investigação. Para isso, foram estudadas as dificuldades de aprendizagem dos alunos, utilizando como terreno de pesquisa a área específica da genética, visto os seus conceitos e problemas levantarem dificuldades de compreensão e funcionalidade particulares, por ser um tema recorrente na discussão pública e, ainda, pela sua importância no próprio edificio biológico. O conhecimento das principais dificuldades de aprendizagem e representações dos alunos num tópico específico é fundamental para a construção do conhecimento pedagógico do conteúdo correspondente, conhecimento que o professor usa para abordar os conteúdos a ensinar de uma forma compreensível para os alunos. O estudo empírico desenvolveu-se em duas fases distintas. Na primeira, foram entrevistados alunos e professores (no âmbito da disciplina de Ciências da Terra e da Vida), cujas respostas, em confronto coma literatura, permitiram compreender algumas das dificuldades de aprendizagem dos alunos. Esta etapa visou, deste modo, criar o enquadramento conceptual necessário ao desenvolvimento da fase interventiva do estudo, a qual teve essencialmente por base a leccionação da unidade didáctica Hereditariedade, numa turma concreta do 11° ano de escolaridade, assegurada pela investigadora em colaboração coma professora titular da turma. A intervenção, realizada durante o terceiro período do ano lectivo 2001/2002, numa escola secundária de Évora, foi, do ponto de vista investigativo, sustentada por uma aproximação ao estudo de caso e à investigação-acção. A recolha de dados correspondente envolveu a elaboração de uma ficha de diagnóstico inicial e de um teste de pensamento lógico para caracterização do estado de partida dos alunos e o recurso a uma ficha de diagnóstico final. e a um questionário de atitude para a caracterização do estado de chegada. Foram ainda entrevistados alunos da turma e a professora da mesma, para aprofundamento de questões estruturantes da pesquisa. Da análise comparativa entre o estado de partida e o de chegada, pareceram emergir alguns indicadores de mudança nos alunos, tanto a nível conceptual como atitudinal. Os resultados obtidos reforçam, além disso, a evidência de que as dificuldades dos alunos em genética, recorrentemente referenciadas na literatura, assumem particular acuidade na compreensão do processo de resolução de problemas e na integração do conhecimento declarativo e processual. A percepção dos professores entrevistados relativamente a essas dificuldades pareceu, no entanto, ficar aquém das reais insuficiências evidenciadas pelos alunos no desempenho das tarefas. Como implicações pedagógicas mais relevantes derivadas do estudo são de relevar as seguintes: a) o reconhecimento e a antecipação das dificuldades de aprendizagem dos alunos tem efeitos positivos nos processos de ensino e de aprendizagem; b) a mediação do professor é fundamental, sobretudo enquanto ajuda aos alunos na construção de uma estrutura conceptual coerente e na integração dos diferentes níveis de organização dos conceitos e processos em genética. No que diz respeito à formação de professores, este tipo de investigação revelou inegáveis potencialidades na aproximação entre a investigação e a escola, contribuindo para a construção de uma sólida base de conhecimento do professor e para o seu envolvimento nas práticas investigativas