Criminalização do aborto: propósitos legais e repercussões fáticas

A criminalização do aborto é parte integrante da história penal de diversos países ao redor do mundo. No Brasil, essa tipificação se mantém no código penal com o apoio vocal e constante dos setores conservadores e religiosos da sociedade. No intuito de investigar a origem e propósitos legais da criminalização do aborto, foram estudadas e comparadas as gêneses da tipificação no Brasil, Estados Unidos e França, bem como quais foram as repercussões fáticas da restrição da prática abortiva nesses países. Foi observado na concepção dos movimentos antiaborto a presença constante de elites econômicas e médicas com o intuito explícito de garantir o cumprimento do suposto dever divino da maternidade, e evitar que as mulheres se eximissem das responsabilidades impostas pelo contrato marital. As repercussões fáticas da criminalização do aborto no país demonstram um baixo número de casos levados ao judiciário em contraste com a quantidade de abortos realizados no Brasil, indicando uma defasagem na intenção do Estado em fiscalizar, processar e punir pessoas envolvidas com a prática abortiva. Nota-se na realidade brasileira um arranjo moralmente conveniente formado por lei escrita rígida e fiscalização branda, suficiente para satisfazer setores religiosos e evitar o desgaste público de tentar impedir uma prática constante e histórica entre as mulheres. Por fim, observando-se os desdobramentos da legalização do aborto nos Estados Unidos e França, é possível concluir que o caminho mais saudável para este processo perpassa por uma compreensão do direito ao aborto como peça fundamental da igualdade de gênero e dos direitos reprodutivos femininos.Abortion criminalization is an integrating part of criminal law in many countries around the world. In Brazil, the definition of abortion as a crime is kept by the constant and vocal support of conservative and religious segments of society. In order to better perceive the origins and purposes of abortion criminalization, the geneses of this typification in Brazil, USA and France were studied and compared, as well as what were the actual repercussions of abortion restriction in these countries. It's noticeable in the early design of anti-abortion movements the constant presence of economical and medical elites with the explicit objective of enforcing the supposed divine duty of motherhood, and to prevent women from exempting themselves from the duties imposed by the marriage contract. The factual repercussions of abortion criminalization in Brazil point to a low number of cases brought to court, diverging from the from the actual number abortions performed in the country, indicating an inconsistency in the State's intent to investigate, prosecute and punish people involved in abortion practice. It can be seen in the Brazilian reality a morally convenient arrangement formed by strict written law and lax enforcement, sufficient to satisfy religious sectors and to avoid public distress of trying to prevent a constant and historical practice among women. Finally, observing the developments after the legalization of abortion in the United States and France, it’s possible to conclude that the healthiest path to this process goes through an understanding of the right to abortion as a fundamental part of gender equality and female reproductive rights