Da substituição jurisdicional modificativa de normas da função legislativa como problema dogmático-constitucional no ordenamento jurídico português : Subsídio para o enquadramento constitucional das hipóteses de extracção judicial de sentidos não literais a partir de enunciados constantes de actos legislativos no quadro da sujeição constitucional dos tribunais à lei

Sob o conceito de substituição jurisdicional modificativa de normas da função legislativa, analisa-se, na presente dissertação, a viabilidade constitucional da extracção de normas a partir de enunciados normativos sem observância da tabela de equivalências semânticas da língua, partindo-se do princípio, constitucionalmente justificado, da literalidade da norma enquanto significado de um enunciado editado por ocasião de um uso da língua marcado pelo respectivo carácter directivo, preciso e independente de contextos, através do uso da linguagem precisa e vulgar como garantia de certeza, embora ressalvadas, obviamente, as situações de incerteza da linguagem. Nessa conformidade, e tendo presente o sistema de fiscalização jurisdicional difusa da constitucionalidade vigente em Portugal, chega-se à conclusão de que os modos tradicionais de interpretação não literal, assim como os mais criativos meios de integração de lacunas, são afinal meios de tutela dos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade, pois o tipo de problemas a que tais procedimentos metodológicos respondem acabam por se reconduzir sempre a essas duas vertentes – adequação aos fins, alargamento ou restrição da previsão com base em argumentos de igualdade. Esta tutela dos princípios constitucionais é, todavia, uma tutela correctiva ou modificativa das normas da função legislativa, procedimento aqui legitimado sempre que a solução de alguma maneira se imponha por força de uma solução retirada de um princípio constitucional que não dê aso à escolha primária de opções, reservada, em Portugal, aos órgãos mais próximos da representatividade do povo. O que não se admite, em contexto algum, é a tomada de leis por inválidas ou modificadas com base em princípios ou pautas exteriores ao Direito positivo, por residir na Constituição a norma de reconhecimento interno do Direito em Portugal. O resultado final deste sistema de consideração jurisdicional das leis entronca, mutatis mutandis, na prática do Reino Unido, em que a validade de uma literal rule é moderada pela especiosidade da golden rule e da mischief rule.In this work, the author analyses the non-literal application of statutory norms, (statutory according to the Portuguese Constitution), both by the Portuguese Constitutional Court and by other judges. The author suggests that the prescriptive meaning of statutory norms is indeed their literal meaning, because, disregarding vagueness, polysemy or other linguistic inaccuracies, the legislature, by issuing written statutes, “expresses its intensions” directly and without dependence on context. Thus, the author argues that Portuguese courts, by interpreting statutory norms as depending in meaning upon the legislative history or on the purpose of the enacting Congress, and moreover by filling gaps in incomplete norms in reality perform judicial review, because, the Constitution being the rule of internal consensus and recognition, the match of norms and legislative purposes is a question of proportionality, whereas statutory incompleteness is a question of equality. The author suggests that, when making judicial amendments, Courts may correct statutory norms, but only if the correct solution results in a constitutional rule or principle with a certain meaning. In this sense, we say that courts may “replace” some elements of the norms by other ones in that they are more precise in accordance with constitutional norms. In practice, matters can be compared to the adjudication in U.K., when a literal rule is applied, but subject to correction by the golden rule and the mischief rule