Entre tentativas de tutela e postura autônoma: relações de professores de ciências com o livro didático

Tese (doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica, 2021.O livro didático é muito presente nas escolas brasileiras. Tornou-se ainda mais presente a partir da criação do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) em 1985. Atualmente, esse programa distribui gratuitamente livros didáticos para todos os alunos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio das escolas públicas de nosso país. No Brasil, a relação que se estabelece entre os livros didáticos e os professores da Educação Básica em escolas públicas é mediada pelo PNLD. Nesse sentido, este trabalho teve por objetivo identificar e compreender as relações de professores dos anos finais do Ensino Fundamental com livros didáticos de Ciências e o PNLD e como eles impactam a postura autônoma docente. O estudo foi realizado a partir de análises documentais, pesquisa bibliográfica e entrevistas semiestruturadas com 19 professores das redes públicas municipal, estadual e federal de Florianópolis, SC. A postura autônoma dos professores é analisada considerando-se que ela é constituída de duas esferas (individual e coletiva) e construída a partir de inúmeras variantes que nelas interferem: condições de trabalho, oportunidades de formação, possibilidades de interação com a comunidade escolar e participação em espaços de decisão, sendo dependente não somente do professor como também dos espaços que ele ocupa. O resultado das entrevistas foi discutido com base em alguns aspectos: (1) panorama das políticas de livro didático no Brasil no decorrer do tempo e o papel dos professores nos programas e legislações que regeram e regem o livro didático no país; (2) conceito de autonomia docente, postura autônoma, profissionalização e trabalho docente, relacionando-os às políticas de livro didático; (3) definição do objeto denominado livro didático, suas principais características e funções; e (4) dados oriundos de investigações sobre a produção, avaliação, escolha pelos professores, uso e políticas públicas de livro didático. A análise das entrevistas e da literatura permite afirmar que os livros didáticos fornecidos pelo PNLD podem ser considerados um objeto paradoxal e contraditório em relação à postura autônoma dos professores: opera no nível da autonomia individual e da autonomia coletiva e mostra como uma se relaciona e depende da outra. Isso porque, no grupo investigado, os livros não restringem a autonomia dos professores na esfera individual, uma vez que eles os transformam, utilizam-nos de forma crítica. No entanto, os livros restringem a autonomia coletiva dos professores quando materializam as políticas públicas, das quais os professores não participam da construção. Com isso, podem inclusive atuar a longo prazo na redução da autonomia individual dos professores, funcionando como uma tentativa de controle, de desorientação do trabalho docente. Os dados e análises realizadas permitem sustentar que as políticas públicas de livros didáticos apresentam uma visão reducionista do trabalho docente, pois o consideram apenas como o que ocorre no espaço da sala de aula. Entretanto, é necessário que se amplie o espaço para os professores no campo de decisões educacionais, uma vez que isso está diretamente relacionado à concepção de trabalho docente e ao desenvolvimento de sua postura autônoma de forma mais ampliada.Abstract: Textbooks are notably present in brazilian schools. It has been even more so from the institution of the Textbook National Program (Programa Nacional do Livro Didático, PNLD) in 1985. Nowadays, this program distributes textbooks freely to all Elementary and High School students. In Brazil, the relations that are established between textbooks and Basic Education teachers in public schools is mediated by PNLD. This research aimed to identify and comprehend the relations of final years of Elementary School teachers with Science textbooks and PNLD, and how these impact teachers? autonomous posture. The study was undertaken from document analysis, bibliographic research, and semi-structured interviews with 19 (nineteen) teachers from municipal, state and federal public schools in Florianópolis, SC. Teachers' autonomous posture is analyzed considering that it is built in two spheres, individual and collective, and from innumerous intervening factors: work conditions, education opportunities, possibilities to interact with the scholar community and participate in decision-making spaces. It, then, depends not solely on the teacher, but also on the spaces that he or she occupies. The results from the interviews were discussed from a few starting aspects: (1) the landscape of textbook policies in Brazil over time and the role of teachers in programs and legislations that ruled and rule textbooks in the country; (2) the concepts of teacher autonomy, autonomous posture, professionalization and teachers? work, and their relations to textbook policies; (3) definition of textbook as an object, its main features and functions; (4) research data about production, evaluation, teachers' choices, use and public policies of textbooks. The literature and interviews analysis makes possible to claim that textbooks provided by PNLD can be considered paradoxical and contradictory objects relatively to teachers' autonomous posture: they operate at the level of individual and collective autonomy and shows how one relates to and depends on another. That is evident from the textbooks, in the investigated group, not restricting teachers? autonomy in the individual sphere, because teachers transform them and use them in a critical manner; but on the other hand, textbooks restrict the collective autonomy of teachers when they materialize public policies in which the teachers had no role in building. In this sense, textbooks can even reduce teachers' individual autonomy over time, acting as attempts to control and disorientate teachers? work. Data and analysis sustain that textbooks public policies present a reductionist view of teachers' work, because they consider it as only what happens in classrooms. It is necessary to enlarge spaces and opportunities for teachers in educational decisions, since this is directly related to the conception of teachers' work and the development of a much more extended autonomous posture