Bancos e o Estado no Brasil: estudo sobre a atuação dos dealers no mercado de títulos públicos, na rede de financiamentos do BNDES e no financiamento eleitoral (2003-2018)

Tese (doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Ciência Política, Florianópolis, 2021.Este estudo analisa as relações mantidas entre o Estado brasileiro e as principais instituições financeiras atuantes no país no período compreendido entre 2003 e 2018. Para tal, considera-se a participação dessas instituições na composição da dívida pública e na rede de financiamentos do BNDES, além de sua atuação no processo político por meio do financiamento eleitoral. De modo específico, neste estudo: i) identificam-se as instituições financeiras credenciadas pelo Banco Central do Brasil e pelo Tesouro Nacional para participar nos leilões dos títulos da dívida pública no período ? os chamados dealers; ii) identificam-se as instituições financeiras credenciadas pelo BNDES para intermediar os seus desembolsos e iii) analisa-se a participação dessas instituições no financiamento eleitoral das eleições presidenciais de 2002, 2006, 2010 e 2014. Embora tenham ocorrido algumas variações entre os diferentes governos estudados, houve elevada concentração das atividades relacionadas ao mercado de títulos da dívida pública em alguns poucos dealers privados (bancos Itaú Unibanco, Bradesco, Santander Brasil, BTG Pactual) e públicos (Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal). Esse grupo reduzido de instituições financeiras também esteve entre as principais instituições credenciadas como agentes financeiros intermediários do BNDES. Considerando que os dealers identificados estiveram integrados a grupos econômicos ou financeiros, ou seja, que atuaram também no setor não financeiro, investigou-se em que medida as empresas desses grupos foram contempladas com os financiamentos do BNDES. A existência de uma rede de intermediação, por meio da qual essas instituições financeiras realizam financiamentos cruzados, beneficiando as empresas não financeiras dos demais grupos, revelou uma forma de expressão dos laços de solidariedade de classe. Houve maior destaque das instituições financeiras privadas como dealers do mercado de títulos públicos e como intermediários financeiros dos recursos do BNDES em períodos nos quais o Banco Central do Brasil foi comandado por presidentes, indicados e nomeados pelo presidente da república eleito, com trajetórias profissionais vinculadas ao setor financeiro privado. Ocorreu expressiva participação de alguns dos principais dealers identificados, também intermediários do BNDES, no financiamento das eleições presidenciais no Brasil. Assim, em termos gerais, conclui-se que, nas operações envolvendo títulos públicos, as instituições identificadas se beneficiaram da capacidade do Estado de gerar e impulsionar capital fictício. Além disso, na atuação junto ao BNDES, as instituições citadas utilizaram, em investimentos próprios, o capital financeiro do Estado, fruto das arrecadações oriundas do setor produtivo, das rendas dos trabalhadores, das aplicações do BNDES e do mercado de títulos públicos. Como grande parte do capital de empréstimo do BNDES se torna capital produtivo, ou seja, é aplicado na produção, constatou-se que a cobrança de spread bancário e juros pela atividade de intermediação transferiu às instituições intermediárias parte do lucro dos setores produtivos fomentados. A análise dos processos eleitorais apontados, compreendidos como uma forma de disputa das frações de classe do bloco no poder por hegemonia, apontou a significativa participação da fração de classe representante do grande capital financeiro. Por meio da análise das políticas monetária, fiscal e de gestão do endividamento adotadas pelos diferentes governos foi possível verificar momentos de maior atendimento dos interesses particulares desta fração pelo Estado. Por fim, os procedimentos metodológicos adotados neste estudo incluem pesquisa bibliográfica e documental e a utilização da Análise de Redes Sociais, com o auxílio de softwares como o Microsoft Excel, o Ucinet6 e o NetDraw.Abstract: This study analyzes the relationships maintained between the Brazilian State and the main financial institutions acting in the country in the period between 2003 and 2018. To that end, we considered the participation of said institutions in the composition of the public debt and in the financing network of the BNDES (National Bank of Development), as well as their role in the political process through electoral financing. Specifically, this study: i) identified the financial institutions accredited by the Central Bank of Brazil and by the National Treasury to participate in public debt bond auctions in the period ? the so-called dealers; ii) identified the financial institutions accredited by the BNDES?s to intermediate is resources; iii) analyzed the participation of these financial institutions in electoral financing for the Brazilian presidential elections in 2002, 2006, 2010 and 2014. Although there were some variations between the different researched governments, we verified a high concentration of activities related to the public debt bond market in a few dealers, both private (the Itaú Unibanco, Bradesco, Santander Brasil and BTG Pactual banks) and public (the Banco do Brasil and Caixa Econômica Federal banks). This small group of financial institutions was also part of the group of institutions accredited as the BNDES?s financial intermediary agents. Considering that the identified dealers were integrated into economic or financial groups, that is, that they also acted in the non-financial sector, we investigated to what extent the companies in these groups received loans from the BNDES. The existence of a financial intermediation network, through which these financial institutions engage in cross-financing, benefiting the non-financial companies of the groups, revealed a form of expression of class solidarity ties. The roles of private financial institutions as dealers in the public bond market and as financial intermediaries for the BNDES were more expressive in the periods in which the Central Bank of Brazil was headed by presidents ? who are appointed by the elected president of Brazil ? with professional trajectories linked to the private financial sector. There was significant participation from some of the main identified dealers which were also intermediaries for the BNDES in the financing of the presidential elections in Brazil. Therefore, in general terms, we concluded that, in the operations involving public bonds, the identified institutions benefited from the State?s ability to generate and promote fictitious capital. In addition, in their operations with the BNDES, the aforementioned institutions used, for their own investments, the State?s financial capital, which is built from taxing the productive sector, the worker?s income, the BNDES?s own financial applications, and the public bond market. As a considerable portion of the BNDES?s loan capital becomes productive capital, that is to say, as it is applied in productive sectors, we established that the charging of bank spread and interest in the intermediation activity transferred part of the profits of the productive sectors to the intermediary institutions. The analysis of the aforementioned electoral processes, comprehended as a means of dispute for hegemony by the fractions of the power bloc?s ruling class, indicated significant participation of the fraction of class representing financial capital. Through the analysis of the monetary, fiscal and debt managing policies adopted by the different governments it was possible to verify periods of time when the State spent more resources to meet the particular interests of this fraction. The methodological procedures adopted in this study include bibliographic and documental research and Social Network Analysis (SNA), through the utilization of software such as Microsoft Excel, Ucinet6 and NetDraw