Sobre outras formas de ser alimentado : significados do uso de sonda enteral em domicílio

Orientador(a): Prof(a). Dr(a). Maria Eliana Madalozzo SchieferdeckerCoorientador(a): Prof(a). Dr(a). Rúbia Carla Formighieri GiordaniDissertação (mestrado) - Universidade Federal do Paraná, Setor de Ciências da Saúde, Programa de Pós-Graduação em Alimentação e Nutrição. Defesa : Curitiba, 24/09/2021Inclui referênciasResumo: Em situações de doença grave, com necessidade de terapia nutricional, aspectos psicológicos e sócioculturais do comportamento alimentar (CA) são comprometidos. A Terapia Nutricional Enteral Domiciliar (TNED) além de buscar promover nutrição adequada aos sujeitos que não mais se alimentam pela boca, deve procurar estabelecer o vínculo entre singularidade cultural e identidade social, entre o indivíduo e seu CA. Não há estudos sobre aspectos psicossociais envolvendo as percepções desses sujeitos frente à nova forma de se alimentar. O trabalho tem como objetivo compreender como sujeitos em TNED percebem e significam a alimentação administrada via sonda. Tratou-se de uma pesquisa social qualitativa em saúde que se aplica à exploração de significados de fenômenos sociais vividos pelos indivíduos. Foi realizada no Ambulatório do Hospital Erasto Gaertner em Curitiba- PR, com dez sujeitos diagnosticados com Câncer de esôfago em TNED, sendo a maioria do sexo masculino (n=8) e idosa (n=7). Utilizou-se um roteiro de entrevista semi estruturado com questões norteadoras e abertas. A análise de dados foi feita segundo a Análise de Conteúdo de Bardin e se utilizou como referencial teórico-metodológico a etnografia clínica, fenomenologia e Grounded Theory. Sobretudo, a reelaboração alimentar é significada como normalidade e parte do tratamento, mas também como obrigação, estranhamento e algo ruim. Notou-se sensações de bem estar, tristeza e sofrimento e a rememoração de dimensões biológicas e socioculturais do CA, e da comida na utilização da TNED. Aspectos associados salientaram suporte e mudanças nas relações familiares, gestão da terapia alimentar, sociomaterialidade, e falta da compartimentalização do serviço hospitalar. As dificuldades evidenciaram exigências no cuidado, falta de informação e sensações corporais, já as estratégias de enfrentamento (de pacientes e acompanhantes) envolveram religiosidade, compaixão, zombaria, esperança, normalidade e controle na alimentação, recusa e retirada da sonda, sensações de culpa e arrependimento. As motivações foram voltadas às noções de necessidade e obrigatoriedade. Até alcançar a autopercepção de normalidade, sujeitos em TNED atravessam diversas experiências biopsicossociais de negação dos seus meios de ser e viver, de forma manifesta ou oculta, por meio do CA e da comida. As experiências se dão de forma individual e partilhada, em uma complexidade que salienta as particularidades da vida humana, do CA e as limitações do conhecimento humano. Sendo essencial, portanto, extrapolar o senso comum e a perspectiva biomédica no contexto de modificações do CA e do cuidado em saúde, essencialmente para sujeitos que não se alimentarão mais pela boca, dado que há intensa carga simbólica ligada à urgência pela sobrevivência e à reelaboração psíquica, que também envolve a sociabilidade humana. Dessa forma, é primordial a quebra de barreiras disciplinares na abordagem em saúde, em especial no contexto da TNED, uma vez que se observou que sujeitos percebem e significam a TNED em suas dimensões biopsicossociais, individual e coletivamente, manifestando-se verbalmente ou não, sugerindo que a abordagem seja sistêmica, integrando princípios da tecnociência aos éticos e relacionais.Abstract: In situations of severe illness, with need for nutritional therapy, psychological and sociocultural aspects of eating behavior (EB) are compromised. The Home Enteral Nutritional Therapy (HENT), in addition to seeking to promote adequate nutrition to individuals who no longer eat by mouth, should seek to establish a link between cultural uniqueness and social identity between the individual and his EB. There are no studies on psychosocial aspects involving the perceptions of these subjects facing the new way of eating. This study aims to understand how subjects in HENT perceive and mean the tube feeding. This is a qualitative social research in health that applies to the exploration of meanings of social phenomena experienced by individuals. It was carried out at the Outpatient Clinic of Erasto Gaertner Hospital in Curitiba- PR, with ten subjects diagnosed with esophageal cancer in HENT, most of them male (n=8) and elderly (n=7). We used a semi-structured interview script with guiding and open questions. Data analysis was done according to Bardin's Content Analysis, using as theoretical and methodological references clinical ethnography, phenomenology and Grounded Theory. Above all, the reworking of the diet is seen as normality and part of the treatment, but also as obligation, strangeness, and something bad. Sensations of well-being, sadness and suffering were noted, and the recall of biological and sociocultural dimensions of EB, and of food in the use of HENT. Associated aspects highlighted support and changes in family relationships, management of food therapy, sociomateriality, and lack of compartmentalization of the hospital service. The difficulties highlighted demands in care, lack of information and body sensations, while the coping strategies (from patients and companions) involved religiosity, compassion, mockery, hope, normality and control in feeding, refusal and removal of the tube, feelings of guilt and regret. Motivations focused on notions of necessity and compulsion. Until reaching the self-perception of normality, subjects in HENT go through several biopsychosocial experiences of denial of their means of being and living, overtly or covertly, through EB and food. The experiences are given individually and shared, in a complexity that highlights the particularities of human life, the EB, and the limitations of human knowledge. Therefore, it is essential to go beyond common sense and the biomedical perspective in the context of changes in the EB and health care, essentially for subjects who will no longer eat through the mouth, since there is an intense symbolic charge linked to the urgency for survival and psychic reworking, which also involves human sociability. Thus, it is essential to break disciplinary barriers in the approach to health, especially in the context of HENT, since it was observed that subjects perceive and mean HENT in its biopsychosocial dimensions, individually and collectively, manifesting themselves verbally or not, suggesting that the approach is systemic, integrating principles of technoscience to the ethical and relational ones