O discurso sobre a mulher nas produções textuais de alunas da EJA

Tese (doutorado) — Universidade de Brasília, Instituto de Letras, Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas, Programa de Pós-Graduação em Linguística, 2021.A Educação de Jovens e Adultos, embora não seja uma prática nova, tampouco desconhecida, consiste em uma modalidade de ensino que ainda é considerada um grande desafio para a educação brasileira. As alunas da EJA, além das interferências típicas que acometem os alunos dessa modalidade de ensino, se deparam ainda com situações diretamente relacionadas ao seu papel de gênero e à sua condição de mulher, que se tornam empecilhos para sua escolarização, tais como a dificuldade em conciliar as jornadas de trabalho em casa e fora dela com os estudos, ou a proibição por parte dos companheiros, que não aceitam a continuação dos estudos após o casamento. Este trabalho analisa as representações identitárias da mulher nos discursos de alunas frequentadoras das aulas da EJA, com vistas a compreender a forma como essas alunas representam o papel social da mulher no processo de ensino/aprendizagem. A fundamentação teórica e metodológica empregada é a Análise de Discurso Crítica, mais especificamente a Abordagem Dialético-Relacional, de Norman Fairclough, bem como os pressupostos da Análise de Discurso Crítica Feminista, sendo conceitos como discurso, texto, ordens do discurso, estrutura social, prática social, prática discursiva, significado acional, significado representacional e significado identificacional centrais nas discussões empreendidas. O corpus é formado por produções textuais escritas por alunas da EJA, entrevistas realizadas com as mesmas e notas de campo e, para sua análise, são empregadas as seguintes categorias: escolhas lexicais, intertextualidade, interdiscursividade, representação de eventos sociais, representação de atores sociais, metáfora, modalidade e sistema de avaliatividade. Além disso, discute-se a relação mantida entre poder, hegemonia e ideologia com o discurso e com a mudança social e teoriza-se a respeito das identidades na modernidade tardia. Para a análise dos dados, empregase a versão do arcabouço metodológico da ADC de Chouliaraki e Fairclough (1999) formulada por Dias (2015). Os discursos enfatizam a infância vivida pelas alunas, com predominância das representações de abandono afetivo, abuso sexual e trabalho precoce, bem como de brincadeiras infantis e momentos em família. A família é representada como sendo tudo para as alunas, enquanto a educação é representada como um sonho que está sendo realizado. As representações acerca do casamento apontam para a instituição como fundamental para a constituição de uma família, embora enfatizem os problemas enfrentados pelas mulheres, como as violências e a infidelidade. A maternidade é representada como um presente de Deus, o qual não deve ser recusado, o que influencia a representação do aborto e do emprego de métodos contraceptivos. As representações sobre o trabalho focam nas dificuldades enfrentadas pelas mulheres em sua vida profissional, tais como o preconceito, a dupla jornada e o assédio. Por fim, enquanto o machismo é representado como a dominação masculina, as representações sobre o feminismo apontam para uma situação de inversão, ou seja, de dominação feminina, e não para a igualdade entre os gêneros.Youth and adult education, although not a new practice, nor unknown, is a teaching modality that is still considered a great challenge for Brazilian education. Female students, in addition to the typical interferences that affect students of this type of education, are also faced with situations directly related to their gender role and their condition as women, which become obstacles to their schooling, such as the difficulty in reconciling working hours at home and outside with studies, or the prohibition from partners, who do not accept the continuation of studies after marriage. This work analyzes the identity constitution of women in discourses from female students attending youth and adult education classes, with a view to understanding how these female students represent the social role of women in the teaching/learning process. The theory and methodology used is Critical Discourse Analysis, more specifically the Dialectic-Relational Approach, by Norman Fairclough, as well as the contributions of the Feminist Critical Discourse Analysis, being topics such as discourse, text, discourse orders, social structure, social practice, discursive practice, actional meaning, representational meaning and identification meaning important to the discussions undertaken. The corpus consists of essays written by the students, interviews with them and field notes and, for its analysis, the following categories: lexical choice, intertextuality, interdiscursivity, representation of social events, representation of social actors, metaphor, modality and evaluation are used. Furthermore, the relationship between power, hegemony and ideology with discourse and social change and identities in late modernity are discussed and theorizes about. For data analysis, the methodological framework of ADC by Chouliaraki and Fairclough (1999), reformulated by Dias (2015), is used. Discourses emphasize the childhood experienced by the students, with a predominance of representations of emotional abandonment, sexual abuse and early work, as well as children's games and family moments. The family is represented as everything to the students, while education is represented as a dream that is being fulfilled. Representations about marriage point to the institution as fundamental for the constitution of a family, although they emphasize the problems faced by women, such as violence and infidelity. Motherhood is represented as a gift from God, which should not be refused, which influences the representation of abortion and the use of contraceptive methods. Representations about work focus on the difficulties faced by women in their professional life, such as prejudice, double shifts and harassment. Finally, while sexism is represented as male domination, representations about feminism point to a situation of inversion, that is, female domination, and not gender equality