A construção das identidades sexuais não-hegemônicas : gênero, linguagem e constituição da subjetividade

Dissertação (mestrado) — Universidade de Brasília, Instituto de Ciências Biológicos, Departamento de Psicologia, 2000.Com base em uma perspectiva sociocultural construtivista (em sua versão personológica), o presente estudo focalizou a construção das identidades sexuais não hegemônicas, a partir do questionamento amplo: como os sujeitos concretos dão sentido a suas vivências homoeróticas? De forma específica, foi investigado como homens e mulheres de classe média que apresentam uma orientação homoerótica se posicionam, a partir de suas narrativas, em relação a crenças e valores difundidos socialmente acerca da homossexualidade, ao “universo gay” em Brasília, bem como avaliam suas relações sociais, afetivo-sexuais e consigo mesmos. Buscou-se integrar na análise um olhar atento em relação às questões de gênero e ao papel estruturante da linguagem na construção da consciência sobre si mesmo. Participaram do estudo 6 homens e 4 mulheres de classe média de Brasília que se reconhecem como pessoas que apresentam uma orientação sexual distinta da heterossexualidade. Foi realizada uma entrevista semi-estruturada com cada participante. Após a realização de sumários das 10 entrevistas realizadas, foram selecionadas 6 entrevistas (3 homens e 3 mulheres) para o posterior trabalho interpretativo. O estudo indica a importância de se considerar as estratégias pessoais e coletivas utilizadas no cotidiano para lidar com o preconceito e a discriminação em relação às identidades sexuais que divergem da norma heterossexual. Tais estratégias são constitutivas da forma como os participantes vivenciam as suas experiências homoeróticas, bem como eles se posicionam em suas relações sociais e consigo mesmos. Da mesma forma, os significados culturais associados à masculinidade e à feminilidade também se fazem presentes, de forma implícita, no modo como os participantes percebem e vivenciam suas relações no cotidiano, especialmente nas relações afetivo-sexuais. O foco sobre os processos identitários que vinculam o sujeito singular aos grupos sociais e, de forma mais ampla, aos contextos culturais, mostrou-se de grande relevância no estudo das identidades sexuais não-hegemônicas e da constituição da subjetividade. Tal foco possibilitou a abertura de novas zonas de sentido para a compreensão do fenômeno, as quais são obscurecidas por perspectivas que enfatizam a dimensão intrapsíquica e a busca de causalidades últimas subjacentes ao desenvolvimento das orientações homoeróticas.From a sociocultural constructive perspective, and adopting a personological orientation, the present study focused upon the construction of non-hegemonic sexual identities, through the investigation of how individuals make sense of their homoerotic experiences. We examined how middle-class men and women who consider themselves as having other than heterosexual orientations express their beliefs and values, in narrative form, concerning homosexuality, gay community in Brasilia, Brazil, their own social and sexual-affective relationships with others and the way they relate to themselves. Gender and the structuring role of language were particularly considered in the analysis of the construction ofself-awareness. Six men and four women, all middle-class, non-heterosexual and living in Brasilia, participated in the study. The ten interviews were initially analyzed, and six were selected for further, in-detail qualitative analysis (three men and three women). The results show the importance of personal and collective strategies employed in daily life by the individuals to deal with prejudice and discrimination in relation to Other than heterosexual orientations. Such strategies are very significant in the way they help individuals to make sense of their homoerotic experiences, their social relationships and self-evaluations. Cultural meanings associated with masculinity and femininity were also found, even implicitly, in the way participants perceive and attribute meanings to their daily relationships in the world, especially sexual-affective ones. The investigation of identitary processes, linking the subject to different social groups and to cultural contexts, was very relevant to understand how non-hegemonic sexual identities, as well as the constitution of subjectivity, are created. The study opens new “zones of meaning” to approach the issue, that are usually not utilized (or even considered) by analytic perspectives that put an emphasis on intra-psychological dimensions or on the search for ultimate causalities underlying the development of homoerotic orientations