A família para além do gênero: reformulações dos direitos reprodutivos a partir das biotecnologias

CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível SuperiorA presente tese investiga a interseção entre Direito, Gênero e Família, a partir da indagação dos limites e possibilidades impostos às tecnologias reprodutivas. Para tanto, buscou-se contextualizar historicamente, sob uma perspectiva feminista, a emergência das ciências reprodutivas em um contexto de crescente medicalização social. Impulsionadas por atores sociais ligados aos movimentos eugênicos, neomalthusianos e de controle populacional, a concepção e a contracepção têm uma história espúria a ser resgatada. Posteriormente, passou-se à caracterização da reprodução como um dispositivo de poder no sentido foucaultiano, regido por uma governamentalidade neoliberal e apto a engendrar subjetividades específicas. Uma dimensão relevante do dispositivo é a regulação que estabelece critérios de elegibilidade: por meio dela, decide-se quais são os arranjos considerados socialmente adequados à reprodução. São analisados, portanto, os modelos e as experiências normativas de regulação da reprodução medicamente assistida. Tal análise revela a operação excludente de normatividades sociais que constituem o ideal de família: a matriz heteronormativa, o ideal de família tradicional, a ambivalência da maternidade e a proteção à inocência sexual infantil. A crítica a essas normatividades permite visibilizar e conferir existência discursiva de experiências e demandas reprodutivas alternativas. Um enquadramento mais pertinente dessas realidades encontra-se na noção de justiça reprodutiva. Mais além, o reconhecimento da interdependência e da precariedade constitutivas da vivência humana se converte em ponto de partida imprescindível para reivindicações políticas pela liberdade, inclusive pela liberdade reprodutiva e de constituir famílias.This thesis investigates the intersection between Law, Gender and Family, based on the question of the limits and possibilities imposed to the reproductive technologies. For this, it aims to contextualize historically, from a feminist perspective, the emergence of the reproductive sciences in a context of growing social medicalization. Driven by social actors linked to eugenic, neo-Malthusian and population-controlled movements, conception and contraception have a spurious history yet to be rescued. Subsequently, the characterization of reproduction as a power dispositif in the Foucauldian sense, governed by a neoliberal governmentality and able of engendering specific subjectivities. A relevant dimension of the device is the regulation that establishes eligibility criteria: through it, it is decided which arrangements are considered socially adequate for reproduction. The models and normative experiences of regulation of medically assisted reproduction are analyzed. This analysis reveals the exclusionary operation of social norms that constitute the family ideal: the heteronormative matrix, the traditional family ideal, the ambivalence of motherhood and the protection of child sexual innocence. Criticism of these norms allows making visible and conferring discursive existence of alternative reproductive experiences and demands. A more pertinent framework of these realities lies in the notion of reproductive justice. Moreover, recognition of the interdependence and precariousness constitutive of human experience becomes an essential starting point for political demands for freedom, including reproductive freedom and the constitution of families