Entre as linhas do discurso do conforto espiritual : uma análise da literatura Nar-Anon

Este trabalho investiga algumas materialidades discursivas mobilizadas pelo grupo de apoio a familiares de dependentes químicos, um grupo que, constituído, passa a se chamar Grupo Familiar Nar-Anon. Trata-se de um grupo de ajuda mútua, que tem por base a troca de experiências e se orienta pelos princípios dos Doze Passos e das Doze Tradições, oriundos do grupo dos Alcóolicos Anônimos. Para a pesquisa, selecionaram-se alguns textos cujo discurso permite compreender o funcionamento da entidade (como ela pensa, por exemplo, o problema da adicção) e os efeitos de sentido que os temas provocam sobre os familiares de drogados. Os textos selecionados para análise tratam, assim, de assuntos diversos, relacionados aos problemas vivenciados pelo familiar de um adicto, além dos Doze Passos e das Doze Tradições e outros, como uma carta de drogado dirigido aos pais. Esses discursos são levados às reuniões de grupo na forma de pautas para reflexão, mas com um objetivo: tornar-se uma base de apoio para o sujeito co-dependente (como são definidos os pais de drogados membros do grupo). Entendeu-se, assim, no decorrer do estudo, que esses discursos superam a mera reflexão e se tornam, efetivamente, um guia sobre o modo de ser e de agir do pai e da mãe do drogado, conduzindo-os a uma compreensão sobre o problema da co-dependência e passam a se impor por meio de uma prática de adesão que não permite escolhas e determina que o membro deve seguir um conjuntos de regras prontas e acabadas. Os resultados a que se chegou mostram que discursos de apoio sustentados pelos Doze Passos e pelas Doze Tradições se valem da emoção já fragilizada das pessoas, que, mais do que discursos, necessitam de um espaço onde possam assumir seus problemas sem o julgamento da sociedade que, a partir de valores socioideológicos, não deixa de emitir julgamentos sobre o que já definiu, de antemão, como errado. Para a condução das discussões, recorreu-se aos estudos da Análise de Discurso de orientação francesa, tendo por mote as leituras de fundação da teoria a partir dos estudos de Michel Pêcheux e de outros pesquisadores da área do discurso. A escolha pela teoria permite entender o movimento dos sentidos que emergem da discussão como práticas ideológicas afetadas por suas condições de produção. Suas materialidades passam a ser reveladoras de como os sujeitos, imersos num determinado problema, ainda que inconscientemente, deixam entrever, nas práticas discursivas que organizam, interdiscursos que, à luz da teoria, revelam as formações discursivas que se colocam em cena, sem que se deseje, mas que, nas entrelinhas do dizer, manifestam outra ordem discursiva, que, no caso deste estudo, mostra que o discurso de apoio ao outro pode ser individualista, egoísta e preocupado (ainda que não o deseje assim) com a sua própria manutenção. Comprova-se este fato, já que o discurso em estudo supera barreiras de tempo e espaço, colocando-se, ainda que remonte ao século passado, como atual, e se impõe a cada nova sala aberta em que familiares de drogados, por exemplo, reúnem-se para refletir sobre a sua situação.This study examines some discursive materialities mobilized by the group of support tofamily members of drug addicts, a group that, after established, is named Nar-Anon Family Group. It is a self-help group based on the exchange of experiences and guided by the principles of the Twelve Steps and the Twelve Traditions, from the group of Alcoholics Anonymous. The texts selected for the study present a discourse that allow us to understand the functioning of the entity (how it conceives, for example, the problem of addiction) and the effects of meaning that the issues cause on the family members of drug addicts. The texts under analysis, therefore, deal with various issues concerning the problems experienced by the family member of an addict, in addition to the Twelve Steps and the Twelve Traditions and others, such as a letter of a drug addict addressed to his/her parents. These discourses are brought to the group meetings in the form of guidelines for reflection, but with a goal: become a support base for the co-dependent (as the parents of drug addicts who are members of the group are defined). During the study, it was found that these discourses outweigh the mere reflection and become, effectively, a guide on how to act and be for the father and the mother of the drug addict, leading them to an understanding of the problem of co-dependency. The discourses are imposed through a practice of membership that does not allow for choices and determines that the member must follow a set of already-established rules. The results shows that discourses of support maintained by the Twelve Steps and the Twelve Traditions use the emotion already weakened of people, who, more than discourse, need a space where they could take on their problems without the judgment of society, which, based on socioideological values, never stops making judgments about what it has already defined as wrong. In order to guide the discussions, we used the studies of French Discourse Analysis, mainly the readings concerning the theory foundation based on the studies of Michel Pêcheux and other researchers of the field of the discourse. The choice of the theory allows us to understand the movement of meanings that emerge from the discussion as ideological practices affected by their conditions of production. Their materialities become revealing of how the subjects, immersed in a given problem, albeit unconsciously, enables, in their discursive practices, a glimpse of interdiscourses that, in the light of the theory, unveil the discursive formations that are brought into play. This is done without any intention, but, between the lines of the saying, manifest another discursive order, which, particularly in this study, shows that the discourse in support of the other may be individualistic, selfish and concerned (although this is not desired) with its own maintenance. This fact is testified because the discourse under study overcomes barriers of time and space, being stated as a current one, although going back to the last century, and it is imposed to each new open room in which family members of drug addicts, for example, gather to reflect on their situation