Um estudo sobre os motivos de consulta e a qualidade das condutas médicas da atenção primária à saúde brasileira

Justificativa: A Atenção Primária à Saúde (APS) brasileira se organiza através da estratégia saúde da família (ESF) a 25 anos. A ESF cobre atualmente 63% da população nacional. Porém, ainda não há estudos nacionais sobre quais os motivos que levam a população a buscar cuidado na APS. Além disso, existem poucas pesquisas que avaliaram a qualidade do cuidado prestado a partir de recortes estratégicos, como doenças crônicas e ações preventivas. Esse estudo buscou identificar os motivos de consulta na estratégia saúde da família e suas diferenças de acordo com características individuais, do município e da região do país. Também se prestou a avaliar a adequação das ações preventivas realizadas pelas equipes da ESF em relação as orientações governamentais e as evidências científicas. Métodos: Esta pesquisa compõe o “Projeto de Avaliação do Programa Mais Médicos”, um estudo transversal descritivo e analítico de caráter nacional realizado entre julho e dezembro de 2016. Resultados: Foram avaliadas 6.160 consultas, destas foram codificados 8046 motivos de consulta, que representavam 388 diferentes códigos da Classificação Internacional de Atenção Primária (CIAP). A média de motivos de consulta foi de 1,3 por usuário. O motivo de consulta mais frequente foi avaliação de resultados de exames (_60), seguido de solicitação de prescrição (_50) e de ações preventivas (A98). Apenas 7 códigos CIAP correspondem a 50% de todos os motivos de consultas. Há pouca mudança na frequência dos motivos de consulta de acordo com as regiões do país. Foi rara a classificação de códigos relacionados a saúde mental e a problemas sociais frente a prevalências dos transtornos mentais comuns e à realidade socioeconômica do país. Por outro lado, as ações preventivas tiveram alta frequência indicando acesso facilitado para pessoas saudáveis. Neste recorte, encontrou-se que a cobertura de rastreamento para câncer de colo e mama está acima do esperado, 50% e 9% respectivamente. O foco dos exames é inadequado; 24%, 47% e 54% dos rastreamentos para câncer de colo, útero e próstata (respectivamente) foram feitos fora da faixa etária recomendada. E apenas 30% dos tabagistas foram abordados para tratamento. Conclusão: Os resultados apontam uma baixa abrangência, resolutividade e qualidade das ações das equipes da ESF. Estes achados servem de substrato para uma revisão da política nacional de atenção primária, como por exemplo: uma carteira de serviços que favoreça maior abrangência de ações, outras formas de financiamento (apontando e valorizando critérios de qualidade) e revisão da formação profissional afim de se adequar a este ponto de atenção.Background: Primary Health Care (PHC) in Brazil is organized through the family health strategy (ESF) since 1994. The ESF teams currently covers 63% of the population. However, there are no national studies that investigate the reasons that lead the population to seek care in PHC. In addition, there is little research that has evaluated the quality of care provided from strategic cut-outs such as chronic diseases and preventive interventions. This study sought to identify the reasons for encounters in the ESF teams and their differences according to individual, municipality and regions characteristics, as well as to evaluate the adequacy of the preventive interventions carried out by ESF teams in relation to government guidelines and evidence scientific. Methods: This study is part of a national crosssectional descriptive and analytical study conducted between July and December 2016 in Brazil. Results: Of 6160 encounters, a total of 8046 reasons for encounters (RFEs) were coded, which represented 388 different codes of the International Classification of Primary Care 2 (CIAP). Each user had a mean of 1.30 RFEs and only seven reasons accounted for 50% of all RFEs. RFEs did not vary significantly by geographic region. There was a high frequency of codes related to test results (ICPC-2 code _60 - first RFE), medication renewal (ICPC-2 code _50 - second RFE), and preventive medicine (ICPC-2 code A98 - third RFE). RFEs related to psychological and social problems were almost non-existent in contrast with the country reality. An important finding was that ‘health maintenance/prevention’ (A98) was among the most common RFEs, indicating that healthy users have easy access. Another finding was that screening coverage for cervical cancer and breast is higher than expected, 50% and 9% respectively. The exams focus was inadequate also, 24%,47% and 54% of cervical, breast and prostate screening were made outside of the recommended age range. Only 30% of smokers were treatment-oriented. Conclusion: The results indicate a low comprehensive and quality of the ESF teams. These findings serve as a substrate for reviewing important aspects of the national primary care policy, including a new portfolio of the services that favours comprehensiveness, financing criteria that value quality interventions and better professional training, appropriate to PHC