Identidades, formação e trabalho : da formatividade à configuração identitária dos enfermeiros (estudo multicasos)

Tese de doutoramento em Ciências da Educação (Formação de Adultos) apresentada à Universidade de Lisboa, através da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, 1998Nos últimos dez anos a investigação produzida no nosso País sobre a socialização profissional dos enfermeiros coloca em evidência a transformação acentuada em que a profissão se encontra, processo que tem sido acompanhado de uma visibilidade crescente e do seu desenvolvimento como disciplina. O interesse que tem suscitado o processo de configuração das identidades profissionais dos enfermeiros e a sua articulação com a formação, materializado nos planos discursivo e doutrinal, não surge como uma imposição social mas como uma tentativa de compreensão da mudança, do mundo vivido e das experiências sociais. Como formam os alunos de enfermagem, no espaço escolar, as identidades profissionais de base? Como se transformam estas, posteriormente, nos contextos de trabalho? Estas questões de partida deram origem a dois estudos de caso distintos, um realizado em contexto escolar (alunos de enfermagem) e outro em contexto comunitário (enfermeiros de um centro de saúde), enquadrados no âmbito de um estudo multicasos (no qual incluímos igualmente uma referência ao contexto' de trabalho hospitalar). Pretendíamos, com o estudo, compreender a forma como os alunos formaram, na escola, a sua identidade profissional de base e como, posteriormente, os enfermeiros as transformavam no decurso do exercício do trabalho. Em ambas as pesquisas, baseadas na fenomenologia compreensiva, recorremos a uma estratégia multimétodo, na qual se destacaram o recurso à observação participante, às entrevistas semiestruturadas e a questionários {Adaptive Competency Profile and Environmental Press Questionnaire). Verificamos que os estilos de aprendizagem e o desenvolvimento de competências surgiam como o produto de uma interpelação permanente de saberes com base na mobilização de ferramentas culturais. A experiência social induzia a recomposição dos mapas cognitivos individuais e dos patrimónios socio-culturais colectivos. Por tal motivo, o processo presume a existência de uma relação entre o comportamento social e a cognição. O processo de definição de si como pessoas e como enfermeiros estaria mais dependente do mundo vivido, dos afectos e do informal do que de modelos de racionalidade técnica ou da tecnologia de mudança. Concluímos que, nos grupos em estudo, a identidade era desenvolvida segundo um processo idêntico à de outras apreensões cognitivas. As formas identitárias e os estilos de aprendizagem identificados, bem como as inteligibilidades que lhes estão subjacentes, deveriam ser compreendidos em função dos códigos sociológicos inerentes aos contextos locais. No entanto, cm qualquer dos contextos estudados, a relação de ajuda constitui-se como vertente fundamental do património identitário dos enfermeiros. Concluímos que os actores se avaliam a eles próprios a partir dos seus mapas cognitivos ou da forma como entendem que os outros os avaliam, através de comparações sociais. Não raro, e perante a percepção de representações menos positivas sobre a profissão, os alunos e os enfermeiros reinterpretam positivamente determinados estereótipos ligados à dinâmica assistencial de forma a aumentar a distintividade e aceder a uma identidade positiva para si. No decurso do estudo verificamos que os processos de categorização, materializados nas formas identitárias, surgiam como compromissos entre os condicionamentos sobre os actores e a necessidade, por parte destes, de aceder a uma distintividade socio-profissional positiva. Concluímos igualmente que nos contextos estudados os actores e os pares estavam em níveis diferentes de interpretação em matéria de concepção da enfermagem, teorias de enfermagem e processo de enfermagem. Esta tese pretende constituir-se como um subsídio original para a compreensão das identidades profissionais dos enfermeiros e da formação como um espaço de construção e reconstrução das identidades.During the last decade, the research produced in our country on professional socialisation of nurses suggests that this profession is undergoing a pronounced change, a process that has been followed by an increasing visibility and the development of nursing as an academic discipline. The investigation provoked on configuration of the professional identities and its articulation with the educational process - materialised in the discursive and doctrinal plans - does not appear as a social imposition but as an attempt to understand the change, and social and life experiences. In which way the nursing students develop their professional identities? How are they shaped, later, in the ward environment? These research questions have led on two distinct case studies, one carried out in a school context (nursing students) and another one in a community context (nursing staff of a health center), both within the scope of a multiple-case study. In this study, we equally include a reference to the hospital environment. The primary aim of the study had as a purpose to try to understand the process showing how the nursing students developed their basic professional identity in the school, and in which way the nurses later on transformed their identities while working in a clinic placement. The researches are based on the comprehensive phenomenology and involved quantitative and qualitative approaches. To collect data we used participant observation, semi-structured interviews and two questionnaires {Adaptive Competency Profile and Environmental Press Questionnaire). The results indicate that the learning styles and the development of competencies appeared as the product of a permanent interrogation of knowledge, based on the transmission of cultural tools in the learning environment. The social experience caused the recomposition of the individual cognitive maps and the collective socio-cultural patrimony; for such reasons, the process presumes a connection between social behaviour and cognition. The definition of him/herself as a person and a nurse depends more on the experiences of life, the affective factors and the relevant peripheral participation in the workplace, rather than on models of technical rationality or the technology of change. We conclude that, in both groups studied, the identity was developed according to an identical process in comparison with the one concerning the cognitive apprehensions. The identification forms and the identified learning styles as well as the intelligibility of them, have to be understood in the function of sociological codes in their local contexts. In all of the contexts studied, the relationship is the basic dimension of the nurses’ identity. We conclude also that individuals evaluate themselves based on their knowledge or imagination by the way others are evaluating them, through social comparisons. However, findings suggests that the students and the nurses, before the perception of less positive representations on the profession, reinterpret positively some stereotype associated with assistencial dynamics as a way to improve the distinctiveness and positive identity of themselves. The study reveals that the process of categorisation, materialised in the identification forms, appeared as commitment between the conditioning put above individuals and the need to accede a positive professional self-concept. We conclude also that in the contexts studied the students, the nurses and their peers stayed in different levels of interpretation in substance on conception of nursing, nursing theories and nursing process. This thesis represents an original contribution to deepen our understanding of professional identities of the nurses as well as a contribution to the understanding of the education as a space of construction and reconstruction of the identities