Pais-cuidadores de crianças com cancro : recursos para a adaptação e participação na tomada de decisão relativamente ao tratamento

Programa de Doutoramento Interuniversitário em Psicologia Tese de doutoramento, Psicologia (Psicologia Clínica), Universidade de Lisboa e Universidade de Coimbra, 2019Introdução: O diagnóstico de cancro pediátrico constitui uma experiência adversa não só para as crianças como também para as suas famílias, nomeadamente para os pais, que têm de lidar com um acréscimo e complexificação das tarefas no âmbito da parentalidade e da prestação de cuidados à criança doente (ex.: implementar os tratamentos, monitorizar efeitos secundários, tomar decisões relacionadas com o tratamento). Apesar dos diferentes desafios indutores de stress, a literatura tem salientado que a maioria dos pais consegue adaptar-se favoravelmente a esta experiência. A variabilidade nos percursos de adaptação parental poderá decorrer da influência de múltiplos fatores, tanto ao nível individual como em diferentes níveis socio-ecológicos. Ancorado numa perspetiva socio-ecológica, esta investigação centrou-se na adaptação dos pais de crianças com cancro na fase de tratamento e pós-tratamento e nas suas preferências relativamente à participação no processo de tomada de decisão. Especificamente, a presente investigação teve por objetivo compreender a adaptação dos pais, examinando o papel de diferentes recursos individuais e socio-ecológicos (familiares e do contexto dos cuidados de saúde formais), bem como os seus mecanismos de influência. Foi também objetivo deste trabalho caracterizar as preferências dos pais relativamente à sua participação no processo de tomada de decisão, tendo em conta as características sociodemográficas, clínicas, e do contexto dos cuidados de saúde formais em que esse mesmo processo decorre. Metodologia: Esta investigação assentou num desenho metodológico transversal, englobando quatro estudos quantitativos. Na sua globalidade, participaram neste projeto de investigação 251 pais (220 mães e 31 pais do sexo masculino). Mais especificamente, participaram 205 pais no Estudo I, 201 pais no Estudo II, 251 pais no Estudo III e 228 pais no Estudo IV. Para além de fornecerem dados sociodemográficos e clínicos, os participantes preencheram questionários de autorrelato para avaliar os recursos individuais (reavaliação positiva, autoeficácia parental relativamente à parentalidade e à prestação de cuidados de saúde), familiares (perceção da qualidade da relação conjugal, satisfação parental, gestão familiar da condição – dificuldades na vida familiar e mutualidade parental) e do contexto dos cuidados de saúde formais (cuidados centrados na família – serviços e informação geral), a adaptação (sintomatologia psicopatológica – ansiedade e depressão, e bem-estar psicológico) e as preferências relativamente à participação no processo de tomada de decisão. Resultados: No que se refere à adaptação parental, os pais de crianças na fase de tratamento e pós-tratamento reportaram níveis normativos de sintomatologia psicopatológica. Os resultados mostraram que os pais de crianças que se encontravam no primeiro ano após o término da terapêutica (vs. > 1 ano após o final do tratamento) reportaram níveis mais elevados de sintomatologia depressiva. Em relação aos potenciais recursos e aos mecanismos envolvidos no processo de adaptação, independentemente da fase da doença (fase de tratamento vs. póstratamento) e do grupo etário do paciente (crianças vs. adolescentes), a gestão familiar da condição (menores dificuldades na vida familiar e níveis mais elevados de mutualidade parental) estava positivamente associada à adaptação dos pais, de forma direta e indireta, através da satisfação parental. Por sua vez, a perceção parental dos cuidados centrados na família estava indiretamente associada a melhores resultados de adaptação dos pais, através da autoeficácia parental, um efeito indireto que se mostrou independente da fase da doença e do grupo etário do paciente. Os resultados mostraram ainda que a reavaliação positiva e a qualidade da relação conjugal estavam positivamente associadas à adaptação dos pais. Por fim, e no que se refere às preferências dos pais relativamente à sua participação no processo de tomada de decisão, a maioria reportou preferir assumir um papel passivo-colaborativo e colaborativo no processo de tomada de decisão, sendo que pais com diferentes preferências diferiram ao nível da escolaridade e da perceção dos serviços centrados na família. Conclusões: Esta investigação sugere que, de uma forma global, os pais de crianças com cancro na fase de tratamento e pós-tratamento apresentam níveis de adaptação sem significado clínico. No entanto, alguns pais podem apresentar uma maior vulnerabilidade à experiência de dificuldades. Este resultado reforça a importância dos profissionais de saúde reconhecerem esta heterogeneidade, adequando as suas práticas àquelas que são as necessidades específicas de cada família. Os pais que se encontram em maior risco de dificuldades psicossociais poderão ser sinalizados para intervenção psicológica individual ou familiar, de cariz preventivo ou clínico. Os nossos resultados suportam a pertinência de uma abordagem de intervenção orientada para a promoção de recursos de adaptação, não só a nível individual, mas também familiar e ainda dos cuidados de saúde formais. Por fim, os resultados deste trabalho enfatizam a variabilidade das preferências dos pais relativamente à sua participação no processo de tomada de decisão, oferecendo pistas para a adequação das estratégias de atuação dos profissionais neste campo, como forma de melhor corresponder às preferências e necessidades destes pais.Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), SFRH/BD/103265/2014; Fundação Calouste Gulbenkian (FCG), Programa de Desenvolvimento Humano; Fundo Social Europeu, Quadro Estratégico Comum (QEC, 2014-2020