Avaliação da perda da capacidade para nadar na doença de Parkinson

Tese de mestrado, Neurociências, Universidade de Lisboa, Faculdade de Medicina, 2019Contextualização A Doença de Parkinson (DP) é causada pela perda progressiva de neurónios dopaminérgicos e subcorticais, sendo a segunda patologia neurodegenerativa mais comum. Caracteriza-se pelos sinais cardinais do parkinsonismo, associados a um impacto direto no controlo motor dos doentes, e por estadios progressivos com repercussões na funcionalidade do doente. A presença de sintomatologia assimétrica como rigidez, tremor, perda de força muscular ou presença de deformidades posturais; combinadas com a existência de bradicinesia, instabilidade postural, incoordenação e alterações na marcha, promovem um declínio funcional com impacto direto na qualidade de vida do doente. Os episódios de quedas tornam-se uma das consequências funcionais mais frequentes nesta população. O exercício físico em meio aquático, nomeadamente a hidroterapia, tem recebido cada vez mais evidência dos seus benefícios nos doentes com DP, tendo sido incluída com regularidade nos programas de reabilitação destes doentes. É sugerida como benéfica no treino de equilíbrio, estabilidade postural e coordenação, assim como em estimular o aumento de força muscular e da amplitude de movimento disponível, diminuindo a rigidez muscular. Segundo a perspetiva dos doentes com DP, a hidroterapia é considerada uma atividade agradável e segura, pela menor probabilidade de ocorrência de quedas neste meio. Tendo em conta o potencial neuroprotector e o controlo dos sintomas axiais, os doentes com DP são incentivados a manter uma atividade física regular durante o curso da doença, de forma a beneficiarem e maximizarem os seus efeitos positivos. A prática da natação é uma das formas de exercício físico com mais adeptos em todo o mundo, tanto em indivíduos saudáveis como com patologia, incluindo doentes com DP, beneficiando das propriedades únicas da água. É descrita como uma atividade complexa, compreendendo a realização contínua e sincronizada dos movimentos dos membros superiores e inferiores, e destes com o ato respiratório, a fim de manter a flutuabilidade e horizontalidade durante a deslocação na água. Embora a prática regular da natação esteja inserida no quotidiano de muitos doentes com DP, não existe evidência científica que descreva a capacidade que estes doentes têm para nadar após o inicio da doença. A partir de uma pesquisa na base de dados PubMed, usando combinação de termos: “Parkinson disease” AND “swimming” OR “aquatic exercise” OR “drowning”, resultaram 5 artigos como relevantes. Dos resultados encontrados, nenhum responde diretamente ao tópico em estudo, abordando apenas a terapia em meio aquático e a comparação da mesma com a terapia convencional no ginásio de fisioterapia. No entanto, em websites de referência para a Doença de Parkinson (Parkinson’s UK, HealthTalk.org, Shake It Up Australia) é possível encontrar fóruns dedicados à natação, com a partilha de testemunhos entre doentes/ cuidadores sobre o declínio da sua capacidade para nadar - alguns doentes referem a necessidade de abandonar a atividade por não se sentirem seguros na mesma. Objetivos A presente investigação compreende dois estudos, o desenho e aplicação de um questionário sobre a capacidade para nadar, antes e após o aparecimento da DP, e uma avaliação física da mesma em contexto de piscina. O primeiro estudo apresenta como outcome primário a frequência de episódios de afogamento ao nadar em doentes com Doença de Parkinson, após o aparecimento da sintomatologia; como outcome secundário, a frequência de alterações da capacidade para nadar após a DP, frequência de doentes com dificuldade em respirar enquanto nada, a frequência do segmento corporal com maior dificuldade em mover dentro de água, e a frequência da performance e da regularidade com que os doentes nadam antes e após o aparecimento da DP. O segundo estudo apresenta como outcome primário a determinação do número de doentes que consegue nadar em bruços e crawl, segundo a definição elaborada para a capacidade para nadar; como outcome secundário, a realização do gesto técnico dos membros superiores e inferiores, em ambos os estilos. Metodologia O primeiro estudo implicou o desenho e aplicação de um questionário a doentes com DP ou cuidadores para caracterizar a capacidade para nadar antes e após o aparecimento da DP, tendo sido distribuído em formato papel ou num servidor on-line (SurveyMonkey). O estudo foi realizado em parceria com o Hospital Santa Maria, o Campus Neurológico Sénior, a Associação Portuguesa de Doentes com Parkinson e a The Cure Parkinson Trust – estas mesmas instituições auxiliaram no processo de distribuição dos questionários. Como critérios de inclusão requeria-se: diagnóstico confirmado de Doença de Parkinson, capacidade para nadar antes do aparecimento da DP e habilidade para perceber a língua inglesa e portuguesa. O segundo estudo consistiu na avaliação física de doentes com DP no ginásio e em piscina. Os critérios de inclusão utilizados foram: 1) diagnóstico de Doença de Parkinson, de acordo com os critérios da MDS, 2) estadío I a III na escala Hoehn and Yahr, 3) capacidade para realizar marcha, 4) saber nadar antes do aparecimento dos sintomas da DP, 5) capacidade para comunicar e 6) para dar o consentimento informado. Inicialmente caracterizaram-se os doentes, tendo em consideração os seus dados demográficos, sociais e clínicos, pelo exame subjetivo em entrevista; e foi aplicada a MDS-UPDRS, Prova dos 10m de marcha e MMSE. Foi avaliado o ato de nadar em bruços e crawl, em estilo livre e na presença de obstáculos na água, de acordo com a definição proposta - a prova foi aferida por uma adaptação dos scores da MDS-UPDRS. A avaliação na piscina constou também da realização do gesto técnico de bruços e crawl, pelos membros superiores e inferiores, e estes coordenados com o ato respiratório. Resultados Dos doentes que preencheram o questionário, 277 cumpriram os critérios de inclusão. Desta amostra, 49% relata que teve ou podia ter tido um episódio de afogamento, sendo que 88% mencionou ter sentido diferenças no seu desempenho a nadar após o início da DP. As razões apontadas para a alteração da capacidade em nadar prendem-se com a existência de movimentos descoordenados, problemas de flutuação, bradicinesia e fraqueza muscular. Além disso, 40% dos doentes menciona ter sentido dificuldades em respirar enquanto nadava e 45% dos doentes assume que os membros inferiores são o segmento que mais custa mover dentro de água. A maioria dos doentes assume que a sua capacidade para nadar diminuiu após o aparecimento da DP, assim como a frequência com que o faziam. Doentes com dificuldade em respirar enquanto nadam e com menor mobilidade de tronco, assim como doentes com menor frequência e performance a nadar, aparentam maior probabilidade para a ocorrência de episódios de afogamento. Os resultados do segundo estudo permitem concluir que para os doentes da amostra, nadar em crawl foi considerado o estilo mais difícil, e a capacidade para mover os membros inferiores pareceu menor que os restantes segmentos corporais, tanto na avaliação do gesto técnico como na performance livre. A prestação dos doentes a nadar diminuiu sempre que uma outra atividade foi adicionada, tanto o controlo do ato respiratório durante as provas de gesto técnico, como a presença de flutuadores na piscina durante as provas de nadar. A diminuição da amplitude e da velocidade de movimento, e a dificuldade em coordenar os diferentes segmentos, foram apontadas como as razões principais para a dificuldade em realizar o gesto técnico. Na atividade de nadar, as maiores dificuldades prendem-se com a coordenação do movimento entre os membros superiores e inferiores, e entre eles e a respiração; em manter a flutuabilidade horizontal e a simetria do corpo; e em superar a presença de bloqueios ou momentos de hesitação durante o nadar. Conclusões A DP caracteriza-se pela existência de vários estadios com diferentes manifestações clínicas na capacidade física e funcional dos doentes. As consequências físicas da DP devem ser tidas em consideração como limitantes na prática da natação, uma vez que interferem diretamente com alguns dos seus requisitos básicos. Doentes com menor mobilidade de tronco, menor capacidade para mover os membros inferiores na água, ou com dificuldade em manter a respiração neste meio, deverão ser alvos de maior atenção, assim como os doentes que tendam a nadar em crawl. Por ser uma atividade complexa e requerer o envolvimento de todo o corpo, torna-se exigente para os doentes com DP, tanto pela necessidade de coordenar os movimentos corporais com a respiração, como para manter o alinhamento e postura necessária para a posição horizontal. Sendo a coordenação de movimentos um dos principais problemas nestes doentes, podemos possivelmente assumir que esta atividade possa ser assumida como um conjunto de tarefas simultâneas, apresentando-se nestes doentes como uma multitarefa. As conclusões retiradas destes estudos não pretendem influenciar os doentes com DP a abandonarem a atividade de nadar; pretende-se alertar os doentes e profissionais de saúde para que esta atividade seja realizada de forma mais consciente e segura. É essencial destacar a necessidade de mais estudos sobre esta temática, a fim de confirmar os resultados conseguidos, e entender quais os aspetos relacionados com a doença que mais contribuem para a mudança no desempenho da natação nos doentes com DP. Além disso, a formação dos profissionais de saúde que trabalham diretamente com estes doentes, principalmente no contexto aquático, deverá ser uma prioridade; assim como a criação de instrumentos de medida e implementadas medidas de segurança para esta população especifíca em meio aquático.Background Parkinson’s disease (PD) is a neurological disorder with different stages of complexity, involving functional limitations for patients. PD motor symptoms are usually asymmetric (muscle rigidity, limb tremor, postural deformities) and characterized by slow initiation of voluntary movements (bradykinesia), postural instability in activities seriously affecting ipsilateral and contralateral interlimb coordination, as well as limited mobility. Frequent and disabling complications of PD may hamper the performance of daily living activities and have a serious impact on patient’s functionality. This include gait disturbances, falls and injuries, inter alia. Physical exercise has positive effects on symptomatic control and a potential neuroprotective effect. Swimming is usually seen as a common and pleasant activity, practised by healthy and unhealthy subjects, including PD sufferers, and implies a varied range of body movements coordinated with breathing. Patients report swimming as a enjoyable activity, but there are also some references to swimming difficulties to the point where the activity needs to be interrupted. To the best of our knowledge, there are no studies reviewing the impact of PD on patients’ swimming ability and the causes of reduced patients’ performance in an aquatic environment. The primary objective of this projects was to assess PD patients’ swimming capacity. The secondary objectives were to explore the factors that contribute to swimming capacity changes and associated risks of drowning, and gauge the attitude of patients towards this activity. Methods This project was conducted in two phases, one qualitative and the other quantitative. The first phase was a questionnaire to PD patients designed to investigate drowning events in PD patients’, changes in swimming capacity and potential causes, and changes in patients swimming behaviour. The quantitative study was a single-centre clinical study conducted to assess PD patients’ capacity to swim, based on a specially created definition of swimming ability. Results From our questionnaire data, the majority of patients reported having a drowning or near-drowning episode and noticed a change in swimming performance after disease onset. Lower limbs were considered the body part hardest to move in the aquatic environment, in both studies; and the crawl was the swimming style most difficult to perform in the swimming test. Slow movement, decreased coordination of limbs, and of breathing and limbs, decreased range of movement and presence of postural deformities were the main reasons identified in both studies for the decrease in swimming performance. All these factors led to difficulty in staying afloat in a horizontal position during swimming. Conclusions Patients’ ability to swim could vary according to the disease stage, present symptoms and physical limitations. Both studies concluded that these physical and mobility limitations referred to above, were the principal causes of a possible drowning accident in this population. However, the fact that swimming is a complex activity involving the whole body, increases the likelihood that patients will not be able to swim as well as they could before the onset of symptoms. Due to the intrinsic PD patients’ difficulty in maintaining coordination, and as swimming involves simultaneous tasks, it might will be the case that it represents multi-tasking for them. More studies need to be conducted in order to confirm the changes in swimming ability suffered by PD patients and to understand objectively the disease-related features that most contribute to the decrease in swimming performance. Furthermore, practical measures should be developed to help professionals that work with PD patients in the aquatic environment