Paisagens literárias: mulheres e a fronteira colonializada Brasil/Paraguai

Tese (doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Comunicação e Expressão, Programa de Pós-Graduação em Literatura, Florianópolis, 2018.O objetivo desse trabalho é refletir acerca dos mecanismos de atuação das colonialidades do poder,1 do saber2 e de gênero3 impostos nos processos de construção da fronteira entre Brasil e Paraguai a partir da análise do romance Vagos sin tierra, da escritora paraguaia Reneé Ferrer,4 e do livro Cunhataí: um romance da Guerra do Paraguai, da autora brasileira Maria Filomena Bouissou Lepecki.5 A região de fronteira entre ambos os países é, por excelência, um lugar à margem cuja formação se faz, por um lado, mediante o encontro permanente das diferenças e de intercâmbios e, por outro, de resistências, negações e imposições associados às (re)produções do sistema colonial/moderno, a exemplo dos binarismos hierárquicos de classe, raça/etnia, lugar, gênero, sexualidades. Nesta direção, é possível pensar este território enquanto paisagem fronteiriça colonializada, na qual o agenciamento de gênero é um mecanismo fundamental para sua expansão. Isto porque a imposição de dicotomias de gêneros configurou ficções estratégicas e elementos facilitadores de dominação social que resultaram, entre outros elementos, no apagamento da participação das mulheres no desenvolvimento dos processos de tomada de decisão política, social e econômica em seus territórios. Todos esses jogos são apreendidos pela literatura que os leva ao público como projetos críticos mais conscientes de nossa época, sobretudo aqueles cujas propostas requerem pensamentos outros, voltados para a compreensão dos procedimentos e das implicações políticas da produção discursiva e simbólica de elementos históricos, culturais e identitários de periféricos lugares e sujeitos. Portanto, tendo em vista que a literatura é vestigial e a leitura se presentifica por meio da construção de sentidos nos moldes de uma realidadeficção,6 proponho ler, frente às diversas possibilidades, o modo como as textualidades de Cunhataí: Um romance da Guerra do Paraguai, e Vagos sin tierra, problematizam o lócus da fronteira marginal entre Brasil e Paraguai a partir do modus operandi dos espaços, das personagens e, consequentemente, das comunidades e práticas culturais dispostas em ambos os livros. Por intermédio da análise das personagens femininas dos romances será discutida a categoria mulheres fronteiriças e suas invisibilidades na formação desse lugar em relação aos padrões de dominação do conhecimento e do poder, ou seja, da colonialidade de gênero. Por fim, busca-se delinear as possíveis formas uma literatura fronteiriça tomada como uma prática escritural de encontro, deslocamento, diferença e resistência que produz saberes outros e barram a diferença colonial, instalada no limiar deste entre-lugar