Da justeza do Livro das Fortalezas

Em 1509, Duarte de Armas, escudeiro de D. Manuel I de Portugal, percorreu a fronteira terrestre do reino. Registou, por intermédio de esboços das vistas panorâmicas e plantas, a expressão das fortificações que importavam à defesa desse limite. Este reconhecimento teria em vista o estabelecimento de um programa de eventual manutenção, renovação e expansão da máquina defensiva terrestre. Os levantamentos efectuados, reunidos no depois intitulado «Livro das Fortalezas», constituem-se como os mais antigos registos de castelos portugueses e configuram uma descrição ímpar do urbanismo e da arquitectura militar da época. Ocupa, pela sua originalidade e natureza, um lugar de destaque no conjunto da iconografia medieval. O «Livro das Fortalezas» foi já significativamente estudado, sendo nesses trabalhos amplamente destacado o seu préstimo. É reconhecida sua vocação intrínseca, de levantamento militar, onde o ponto de vista puramente artístico se submete, por regra, à justeza dos factos. No entanto, a generalidade destes estudos, sustenta ou não contradiz a idéia de que o «Livro das Fortalezas», a partir de determinado nível de detalhe, e nomeadamente no que diz respeito à expressão contrutiva dos elementos representados, contém imprecisões significativas. É usualmente aceite que alguns aspectos dessas representações terão sido simplificados ou reinventados aquando da execução do caderno final, em estúdio, já em Lisboa. No entanto, através da análise dos registos de Duarte de Armas, da observação e estudo, no local, de todos os casos representados, e da leitura atenta de documentos coevos e de registos mais recentes, torna-se possível compreender a verdadeira extensão das imprecisões e verificar que, do ponto de vista da expressão construtiva, o «Livro das Fortalezas» se constitui, afinal, como um documento muitíssimo preciso, capaz de revelar o semblante original das fortificações retratadas, ao tempo de 1509 e, consequentemente, de pôr em causa o actual entendimento dos sistemas construtivos destas estruturas