Os liceus do Estado Novo : arquitectura, currículo e poder

Tese de Mestrado em História da Educação (Educação Comparada), apresentada à Universidade de Lisboa, através da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, 1999A História escreve-se a partir da vivência que o sujeito tem do presente. Como professor sempre me interessou conhecer a génese do modelo escolar, entender historicamente a gramática da escola. O espaço escolar sempre me trouxe (e traz) inquietação. Neste sentido, a escolha da temática deste projecto de investigação resulta, em primeiro lugar, da conjugação de diferentes motivos de âmbito pessoal e profissional. A arquitectura constitui, antes de mais, um tema de interesse pessoal, que remete para a minha formação académica inicial em História da Arte. A partir daqui se desenvolveu o gosto pela análise das características semânticas dos edifícios "disciplinares" e pela compreensão dos sinais, dos tempos e dos modos da sua gramática arquitectónica. Acresce que, por razões que se prendem com o meu percurso profissional, nunca deixei de habitar parte do tempo na escola. Como aluno e como professor fui construindo uma memória dos espaços escolares em grande parte marcada por contradições. Se tem sentido dizer como Abraham Moles que "o espaço, tal como o tempo, não existe senão quando é ocupado", seria ingénuo esquecer que o espaço construído não é neutro (Le Boterf, 1973) e que, nesse sentido, é um lugar portador de discursos e indutor de práticas sociais. O facto de o espaço escolar ser fortemente enquadrado por factores de ordem externa e interna que têm a ver com a sua "razão de ser", torna-o num campo privilegiado de estruturação das relações sociais e de regulação do exercício do poder. Por tudo isto, não se pode fugir a uma escrita da História isenta de neutralidades e, por isso mesmo, inevitavelmente mais próxima de uma (re)escrita pessoalizada da realidade. Em analogia com o dizer de Barthes acerca do escrever da literatura, também o escrever da história será "antes de mais pôr o sujeito (incluindo o seu imaginário de escrita) em citação". Em segundo lugar, a escolha desta problemática deve-se também ao facto da problemática da arquitectura e do espaço escolar, não ter sido ainda suficientemente estudada e problematizada no campo da História da Educação em Portugal. Neste contexto, pretendo com este projecto de investigação estudar as relações de poder-saber que envolveram o discurso arquitectónico dos Liceus e as linhas de força das políticas educativas do Estado Novo, entre 1938 e 1952. Abrangendo os Liceus projectados e construídos no quadro do Programa de novas construções, ampliações e melhoramentos de edifícios liceais lançado em 1938, este trabalho de investigação procura, desta forma, inserir-se numa linha de renovação temática da História da Educação em Portugal. Entendendo o espaço escolar como uma construção socialmente materializada, portadora de relações de sentido, este trabalho interrogará as dimensões essenciais implicadas na definição e execução das políticas de construção dos edifícios liceais pelo Estado Novo, procurando os nexos entre a arquitectura, o currículo e o poder. Como é que as políticas educativas do Estado Novo conceberam o discurso arquitectónico dos Liceus? Até onde levaram na prática, ao nível do edifício e da organização do espaço escolar, a intenção de controlo estatal dos meios de inculcação ideológica como processo de legitimação do poder ? Qual a função curricular (empírica, oculta, subliminar) que a arquitectura escolar liceal desempenhou como discurso e saber a ser incorporado? (...